Extremo sofrimento infligido por certas circunstâncias, sentimentos ou pessoa(s); martírio, tormento.
E é justamente este o nosso futuro, segundo a distopia. Diferentemente da sua prima utopia, cuja característica principal se baseia na fantasia e idealização de lugar ou estado em perfeita harmonia sociopolítica, a distopia é o lugar ou estado de opressão, privação e provação.
Apesar do boom distópico estar batendo nas nossas portas há pelo menos quatro anos, o gênero não é nada novo. Quem nunca ouviu falar do clássico 1984, publicado em 1949 por George Orwell, ou de Neuromancer, de William Gibson publicado em 84? No entanto, a primeira obra do gênero vivida por um adolescente foi escrita por Lois Lowry no maravilhoso O Doador, de 1993, que em 2014 ganhou uma prestigiadíssima adaptação para o cinema. Daí até o lançamento de Jogos Vorazes de Suzanne Collins, foi um pulo não só na década, mas na forma como o público YA (young adults ou jovens adultos) passou a enxergar — e consumir — as distopias.
Tudo começa com uma análise crítica da sociedade. O ponto de partida é justamente a realidade como a conhecemos para então, juntos, refletirmos o diagnóstico do presente desde a ética, a liberdade, o consumo etc. O elemento social faz parte do gênero e é explorado na tentativa de mostrar o lado assustador de um futuro de extremos.
A crítica, neste caso, pode ser social (A Seleção, Divergente), ambiental (Mad Max, The 100, Silo), política (1984, Fahrenheit 451), tecnológica (Matrix, Revolution), pandêmica (12 macacos) ou todas elas e de tudo um pouco. O importante é problematizar a realidade e levantar a centelha que, na medida certa, alerta e previne para o pior: o que aconteceu com o mundo? Como acabamos perdendo o controle? De quem foi a culpa? Tem solução?
Se o telespectador não se sentir inquieto, então a mensagem não foi entregue como deveria. O dever da distopia é incomodar. Causar aquele negócio esquisito no peito, um incômodo que carece de reflexão — ela precisa do pensamento crítico, já que seu objetivo é alertar sobre o futuro, não aceitá-lo.
E quer algo mais perigoso do que uma sociedade racional que questiona o próprio mundo? Somos nós quem podemos fazer a diferença.
É uma imagem do futuro, surgida da compreensão profunda do presente. (Horkheimer)
As distopias têm mirado no público YA, é verdade. Só Jogos Vorazes vendeu mais de meio milhão de cópias no Brasil e Maze Runner, 3 milhões em todo o mundo. O motivo de tanto sucesso é simples: além da qualidade das obras, a capacidade de reflexão e empatia dos jovens — que estão, na maioria, em processo de identificação de personalidade e amadurecimento da compreensão de identidade e do mundo — é posta em teste com a problematização de um futuro não tão improvável causado por um presente questionável.
O gênero traz à tona a esperança de ser responsável pela mudança, a faísca que faltava para os oprimidos. Se o inferno é iminente, o que fazer para inverter o prejuízo? E então o receptor se dá conta de algo tão excitante quanto simples: a saída do inferno está na coragem, na superação e na urgência de não ser apenas mais um espectador.
Qualquer obra distópica é muito mais que somente uma fantasia de ficção, é também um convite para a análise de solução de problemas.
A mais importante lição do gênero fica intrínseca em cada cena: a revolução, distópica ou não, só depende de nós. E estamos apenas acordando.
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